PARECER Nº. 09/2024/COREN-MT | Sondagem vesical de alívio e sonda de gastrostomia Atenção Domiciliar


19.02.2025

Assunto: Sondagem vesical de alívio e sonda de gastrostomia Atenção Domiciliar

EMENTA: Legislação profissional. Competência legal. Competência
técnica para troca de sonda de gastrostomia e capacitação do
familiar para sondagem vesical de alívio.

 

I. DA CONSULTA

Trata-se de emissão de parecer, requerido pelo Enfermeiro Vanderlei Rogério de Sá, Coren-MT-102491. A requerente solicita esclarecimentos quanto a atuação do Enfermeiro no ambiente domiciliar, sendo questionado a possibilidade de capacitação do familiar para a realização de sondagem vesical de alívio e ainda a troca da sonda de gastrostomia pelo Enfermeiro.

II. INTRODUÇÃO

Este parecer técnico visa esclarecer a competência do enfermeiro para realizar a troca de sonda de gastrostomia em ambiente domiciliar. A fundamentação baseia-se em legislação, normativas e pareceres do Sistema Cofen/Conselhos Regionais e outras referências relevantes à prática da enfermagem em cuidados domiciliares.

A assistência à saúde pode ocorrer em diversos âmbitos, como nos serviços de saúde, nas empresas, nas escolas e nos domicílios, sendo este último representado pela atenção domiciliar (SENA et. al., 2006).

A atenção domiciliar configura-se como uma abordagem essencial para a promoção da saúde no contexto familiar, pois exige que os profissionais mobilizem competências específicas que vão além do conhecimento técnico. Nesse ambiente, habilidades de relacionamento interpessoal são fundamentais para interagir efetivamente com usuários, familiares e com a equipe multiprofissional. Além disso, a atuação domiciliar demanda autonomia, responsabilidade e uma base sólida de conhecimento científico. Esse tipo de assistência caracteriza-se pela complexidade e diversidade das ações, o que requer experiência profissional e um compromisso constante com a qualificação para assegurar cuidados seguros e personalizados no ambiente doméstico (ANDRADE et al., 2017).

Neste documento abordaremos dois procedimentos a serem executados no ambiente domiciliar, os quais passamos a análise e discussão.

A gastrostomia é um procedimento cirúrgico que cria um acesso direto ao estômago através da parede abdominal para garantir a alimentação enteral em pacientes que não conseguem ingerir alimentos pela via oral. Esse procedimento é comum em pacientes com condições que comprometem a deglutição, como doenças neurológicas, câncer de cabeça e pescoço, traumas e quadros de desnutrição severa (SANTOS et al., 2018).

A permanência da sonda tem período definido, sendo comumente mantida em longo prazo em função da necessidade de suporte nutricional do paciente. A troca da sonda não é rotineiramente necessária e não têm intervalo de tempo definido na literatura, estando esta indicação limitada às situações de complicação e à decisão de substituição a partir de critérios do cirurgião e equipe (ruptura, deterioração, oclusão da sonda).

Os cuidados com a sonda de gastrostomia e o manejo correto do dispositivo são essenciais para prevenir complicações como obstruções, vazamentos, deslocamentos, infecções e lesões na área ao redor do estoma (MOREIRA et al., 2019).

A troca da sonda de gastrostomia, quando realizada de forma inadequada, pode levar a lesões teciduais, deslocamento do tubo ou até infecções graves. Por isso, o procedimento de troca deve ser feito por profissionais capacitados e que conheçam as técnicas apropriadas de inserção, limpeza e fixação da sonda e com o devido respaldo legal para sua execução.

No contexto do atendimento ao ostomizado, a Portaria nº 400/2019 do Ministério da Saúde regulamenta as condições de assistência a pessoas ostomizadas no âmbito do SUS. Ela orienta que o cuidado ao paciente ostomizado deve ser realizado com atenção à integridade do estoma e à qualidade de vida do paciente, estabelecendo que os profissionais responsáveis estejam devidamente qualificados e capacitados para os cuidados técnicos e a orientação dos pacientes e familiares (BRASIL, 2019).

A portaria destaca ainda a importância de suporte contínuo para os cuidados com o estoma, o que inclui procedimentos de manutenção e troca de sondas de gastrostomia. Assim, fica claro que o documento Ministerial reforça que os serviços de saúde devem apoiar pacientes e familiares no cuidado do estoma, com orientação e acompanhamento por profissionais especializados, que no contexto domiciliar incluem os Enfermeiros capacitados.

O Parecer Cofen nº 06/2013/COFEN/CTAS esclarece que a troca de sondas de gastrostomia é um procedimento seguro e viável em ambiente domiciliar, desde que realizado por enfermeiros capacitados. A troca da sonda deve respeitar a técnica correta e considerar o bem-estar e a segurança do paciente. O documento reforça a importância de avaliar as condições locais e instruir a família quanto aos cuidados com a sonda e sinais de complicações.

O Código de Ética, Resolução Cofen n. 564/2017, reforça o dever do enfermeiro de atuar com competência técnica, especialmente em procedimentos invasivos. Com base nas normativas, considera-se que a troca de sonda de gastrostomia no ambiente domiciliar está respaldada, sendo um procedimento de competência privativa do Enfermeiro, desde que:

• O profissional possua competência técnica;

• O enfermeiro faça avaliação do paciente e das condições domiciliares;

• Proceda com os padrões de segurança, conforme as regulamentações do Cofen e da Anvisa;

• Proceda educação em saúde aos familiares quanto ao manejo da sonda, sinais de complicações e cuidados de manutenção.

Em relação ao procedimento de sondagem vesical, passamos a análise e discussão da temática:

Cuidar de um familiar é uma tarefa complexa que envolve diversas mudanças e adaptações para ambos os lados: o cuidador e a pessoa cuidada. Muitas vezes, o familiar é colocado no papel de cuidador de maneira repentina, sem o preparo psicológico e técnico necessário para desempenhar essa nova função. Frequentemente, a escolha do cuidador ocorre por consenso familiar ou pela ausência de outras alternativas, levando um membro da família a assumir essa responsabilidade. Essa pessoa, vista como a “melhor” ou “única” opção para cuidar, pode não ter sido consultada, não possuir as habilidades necessárias ou mesmo não desejar assumir esse papel (NUNES et al., 2019).

Cuidadores, sejam profissionais ou voluntários, desempenham uma variedade de tarefas que visam garantir e melhorar a qualidade de vida do paciente. O cuidador formal é o profissional de saúde que atua no cuidado como uma profissão e possui formação acadêmica específica para essa função (OLIVEIRA et al., 2007). Esses cuidadores trabalham geralmente em domicílios, são remunerados e têm poder decisório limitado, seguindo orientações da família ou de profissionais de saúde. Sua capacitação permite que prestem cuidados especializados, contribuindo significativamente para o bem-estar das pessoas atendidas.

Em contraste, cuidadores informais são pessoas próximas ao paciente, como familiares, amigos, vizinhos, membros de comunidades religiosas ou outros voluntários da comunidade. Sem formação profissional específica, esses cuidadores se dedicam ao cuidado por disposição pessoal, sendo a disponibilidade e o altruísmo fatores essenciais para sua atuação (ROCHA, 2008).

A Portaria nº. 825 de abril de 2016 que redefiniu as estratégias da Atenção Domiciliar, no âmbito do SUS, estabeleceu como competência da equipe profissional a identificação, orientação e capacitação dos cuidadores dos usuários em atendimento, envolvendo-os na realização de cuidados, respeitando seus limites e potencialidades.

Ainda de acordo com a normativa a Assistência Domiciliar é organizada em três modalidades:

I – Atenção Domiciliar 1 – compreende usuário que requer cuidados com menor frequência e com menor necessidade de intervenções multiprofissionais, uma vez que se pressupõe estabilidade e cuidados satisfatórios pelos cuidadores;

II – Atenção Domiciliar 2 – compreende usuários acometidos com:
a – afecções agudas ou crônicas agudizadas, com necessidade de cuidados intensificados e sequenciais, como tratamentos parenterais ou reabilitação;
b – afecções crônico-degenerativas, considerando o grau de comprometimento causado pela doença, que demande atendimento no mínimo semanal necessidade de cuidados paliativos com acompanhamento clínico no mínimo semanal, com o fim de controlar a dor e o sofrimento do usuário; ou
c – prematuridade e baixo peso em bebês com necessidade de ganho ponderal.

III – Atenção Domiciliar 3 – compreende usuários que necessitam de cuidado multiprofissional mais frequente, uso de equipamento(s) ou agregação de procedimento(s) de maior complexidade (por exemplo, ventilação mecânica, paracentese de repetição, nutrição parenteral e transfusão sanguínea), usualmente demandando períodos maiores de acompanhamento domiciliar.

A Lei nº 7.498/1986, regulamentada pelo Decreto nº 94.406/1987, estabelece as competências e limitações dos profissionais de enfermagem no Brasil. O artigo 11 da Lei permite ao enfermeiro realizar intervenções complexas e procedimentos invasivos, como a troca de sondas, desde que possua o treinamento necessário e que o procedimento esteja alinhado com as necessidades do paciente. Ainda na mesma norma é estabelecido que o Enfermeiro é o profissional habilitado a realizar atividades de natureza técnica e complexa, especialmente em procedimentos que envolvem o cuidado direto ao paciente e que demandam conhecimento científico.

A sondagem vesical de alívio é uma técnica de inserção temporária de uma sonda na bexiga para drenagem urinária, utilizada para aliviar retenções urinárias agudas ou para coleta de amostras. Este procedimento é considerado invasivo, com risco de infecções e complicações quando realizado sem os devidos cuidados de assepsia e técnica correta (SANTOS et al., 2020).
O artigo 92, capítulo III, das proibições, do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, aprovado pela Resolução Cofen nº 564/2017, dispõe que:

Art. 92 Delegar atribuições dos (as) profissionais de enfermagem, previstas na legislação, para acompanhantes e/ou responsáveis pelo paciente. Parágrafo único. O dispositivo no caput não se aplica nos casos da atenção domiciliar para o autocuidado apoiado. (grifo nosso)

A Resolução Cofen nº. 766/2024 que normatiza a atuação da equipe de enfermagem na atenção domiciliar e dispõe que compete ao Enfermeiro dimensionar a equipe de enfermagem e planejar, organizar, coordenar, supervisionar e avaliar a prestação da assistência de enfermagem.

Por fim, a atenção domiciliar é indicada para pessoas clinicamente estáveis que necessitam de cuidados de saúde em situação de restrição ao leito ou ao domicílio. A assistência pode ser temporária ou permanente e, em casos de vulnerabilidade, a atenção domiciliar é considerada a alternativa mais adequada para tratamento, reabilitação e prevenção de complicações, com foco na promoção da autonomia do usuário, da família e do cuidador.

Com base na análise dos documentos técnicos e legislações vigentes, entende-se que não há restrições legais ou éticas para que o Enfermeiro, atuando no Serviço de Atenção Domiciliar, capacite o cuidador para realizar a sondagem vesical de alívio, na ausência de um profissional habilitado.

Importa destacar que o cuidador referido neste parecer é o cuidador informal, sem vínculo trabalhista, que presta cuidados a um membro da família ou pessoa próxima, com o apoio da equipe de atenção domiciliar, conforme definido na Portaria Ministerial 825/2016. Recomenda-se que o treinamento seja oferecido como parte do programa de educação continuada do serviço, estruturado com Procedimentos Operacionais Padrão e Protocolos institucionais.

Cuiabá-MT, 11 de novembro 2024.

Flaviana Alves dos Santos Pinheiro – Coren-MT-120508-ENF
Diretora do Dep. de Gestão do Exercício Profissional

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 1986. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 04 nov. 2024.

BRASIL. Decreto nº 94.406, de 8 de junho de 1987. Regulamenta a Lei nº 7.498, de 1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 jun. 1987. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 04 nov. 2024.

BRASIL. Portaria nº 400, de 16 de novembro de 2019. Dispõe sobre as diretrizes para a organização da atenção à saúde das pessoas ostomizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 nov. 2019. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br. Acesso em: 04 nov. 2024.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Parecer nº 06/2013/COFEN/CTAS. Dispõe sobre a competência do enfermeiro para troca de sondas de gastrostomia no domicílio. Disponível em: http://www.cofen.gov.br. Acesso em: 04 nov. 2024.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Parecer nº 08/2015. Competência do enfermeiro para troca de sondas de gastrostomia em domicílio. Disponível em: http://www.cofen.gov.br. Acesso em: 04 nov. 2024.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Resolução nº 358, de 15 de outubro de 2009. Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 out. 2009. Disponível em: http://www.cofen.gov.br. Acesso em: 04 nov. 2024.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Resolução nº 564, de 6 de novembro
de 2017. Aprova o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 8 nov. 2017. Disponível em: http://www.cofen.gov.br. Acesso em: 04
nov. 2024.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Resolução nº 766, de 05 de novembro de 2024. Aprova as normas e diretrizes para atuação da Equipe de Enfermagem na Atenção Domiciliar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 06 nov. 2024. Disponível em: http://www.cofen.gov.br. Acesso em: 07 nov. 2024.

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ROCHA, Michel Patrick Fonseca; VIEIRA, Maria Aparecida; SENA, Roseni Rosângela de. Desvelando o cotidiano dos cuidadores informais de idosos. Rev. bras. enferm., Brasília, v. 61, n. 6, p. 801-808, Dec. 2008. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003471672008000600002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 nov. 2024

 

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