Conselho de Enfermagem denuncia falta de profissionais e condições insalubres em unidades de saúde indígena de MT

No Polo Base de Água Boa pacientes e acompanhantes dividem espaço com depósito e dormem em leitos improvisados dentro de garagem.

30.06.2024

Leitos improvisados dentro de garagem, paredes com rachaduras e ausência de profissionais Enfermeiros. Esse foi o cenário encontrado pela fiscalização do Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso (Coren-MT) nas unidades de saúde indígena das regiões de Água Boa e Barra do Garças. A ação ocorreu entre os dias 17 a 21 de junho e evidenciou a dura realidade vivida por pacientes indígenas e profissionais da enfermagem que atuam nesses espaços.

Farmácia do Polo Base de Água Boa desabastecida, há poucos medicamentos disponíveis no local. | Fotos: Marcos Salesse/Coren-MT

Uma das primeiras paradas feitas pela equipe foi no Polo Base de Água Boa, localizado a 632 km de Cuiabá. O local é tido como ponto de apoio técnico, administrativo, além de servir para o armazenamento de equipamentos e medicamentos utilizados nas unidades básicas indígenas. Nesse espaço também ficam pacientes que buscam atendimentos de saúde mais complexos, juntamente de seus acompanhantes.

Com nítidos problemas estruturais, o polo apresenta rachaduras e mofos nas paredes, equipamentos essenciais quebrados, como por exemplo bebedor de água. Além disso, a fiscalização também apontou uma baixa quantidade de medicamentos, sendo insuficiente para atender as unidades básicas de saúde. Outro grave problema que afeta a unidade está na ausência de profissionais.

Em diálogo com a equipe local, foi constatado que no período noturno, pacientes e acompanhantes permanecem no polo sozinhos, já que não há profissionais da enfermagem contratados para fazer o acompanhamento durante a noite. A ausência do quantitativo adequado de profissionais expõe uma falha na qualidade da assistência prestada.

Ainda no Polo Base, um outro fato chamou atenção da fiscalização: os leitos improvisados. Dividindo espaço com um depósito, os pacientes e acompanhantes deitam em colchonetes dentro de uma garagem, sem qualquer tipo de ventilação ou limpeza adequada. A única fresta, por onde corre ar, está no portão eletrônico quebrado que dá acesso direto à rua.

Leitos improvisados dentro da garagem do prédio alugado para sediar o Polo Base. | Fotos: Marcos Salesse/Coren-MT.

Em 2022, um Relatório Situacional feito pela Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde apontou que apenas o Polo Base de Água Boa chegou a atender 4.758 indígenas, sendo o terceiro maior quantitativo de toda área do Distrito Sanitário Especial Indígena Xavante (DSEI Xavante).

O número expressivo preocupa o Conselho, já que a ausência de profissionais da Enfermagem durante determinados períodos, aliado a condições insalubres do espaço, afetam diretamente a qualidade do serviço prestado à população indígena. De acordo com a presidente do Coren-MT, Bruna Santiago, os problemas estruturais e de pessoal colocam em risco a saúde dessa população.

“Constatamos in loco que há graves problemas estruturais não só no Polo Base, como também nas unidades básicas que estão dentro das aldeias. A falta de profissionais e a ausência de reparos nas unidades colocam em risco toda a população indígina que busca assistência em saúde nesses locais. Estamos falando aqui de profissionais sobrecarregados e que precisam atuar em condições insalubres”, disse a presidente Bruna.

Enfermagem sobrecarregada – Nas unidades básicas localizadas dentro das aldeias os profissionais da Enfermagem atuam em escalas de 15 dias de trabalho e outros 15 dias de folga. Mesmo sem receber hora-extra ou qualquer outro tipo de compensação, acabam atuando 24 horas por dia, já que por vezes ocorrem chamados de urgência após o fim do horário de expediente.

O alojamento da profissional é improvisado dentro da própria unidade de saúde. | Fotos: Marcos Salesse/Coren-MT

Aliado a isso, estão as condições precárias das unidades e também dos alojamentos utilizados pelos profissionais para permanecerem dentro das aldeias. Esse é o retrato da UBSI Nossa Senhora de Guadalupe, localizada próximo ao município de General Carneiro.

No local há uma enfermeira e um profissional técnico de enfermagem que cuidam da demanda de toda a aldeia e também de territórios vizinhos. Com visitas esporádicas de médicos, todo atendimento é liderado pela enfermeira, que se equilibra entre a falta de insumos e a estrutura física deteriorada, sem qualquer tipo de climatização.

Unidade desativada – Ainda durante a fiscalização, o Conselho visitou o Posto de Saúde Indígena Babaçu, localizado no interior da aldeia Babaçu, próximo ao município de Água Boa. Segundo a coordenadora do Polo Base de Água Boa, responsável pela administração do posto, a unidade permanece fechada há mais de um ano.

A informação, entretanto, não coincide com os dados do Ministério da Saúde, por meio do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNEs). De acordo com a plataforma, atualizada no último dia 21 de junho de 2024, a unidade consta como em funcionamento.

Ainda segundo a coordenadora, a unidade foi fechada por ausência de profissionais da enfermagem contratados para atuar no local. Ao realizar uma visita no posto, a fiscalização encontrou uma sala, trancada apenas com um arame, onde estão dispostos diversos medicamentos vencidos e insumos como agulhas, seringas e outros.

A unidade conta ainda com antenas e outros itens hospitalares abandonados. | Fotos: Marcos Salesse/Coren-MT

Segundo o fiscal Fábio Spanholo, o material está exposto, sem climatização adequada e ao alcance de diversas crianças que circulam pela aldeia, oferecendo risco para a população do local. Outro ponto destacado pelo fiscal está na falta incongruência das informações presentes no Cadastro Nacional e o que foi encontrado no posto.

“Encontramos diversos itens perfurocortantes que estão ao alcance das crianças, sem contar os medicamentos armazenados de forma incorreta e sem qualquer supervisão. O que encontramos nesse posto é a consequência grave da falta de um profissional da enfermagem nesse local”, disse o fiscal Fábio.

Fiscalização intensificada – O olhar sensível para a saúde indígena é um dos focos de ação da atual gestão do Coren-MT. Mesmo diante das longas distâncias e desafios para acessar as unidades indígenas, as equipes de fiscalização visitaram 15 unidades na região Xavante, ao longo dos dias 17 a 21 de junho.

Além de atuar dentro da área finalística, fiscalizando o exercício profissional, o Conselho também buscou parceiros para reivindicar melhoria nas condições de trabalho dos profissionais que atendem na região, já que interferem diretamente na qualidade do serviço prestado. Os relatórios de fiscalização serão repassados para órgãos como Ministério Público e Ministério Público do Trabalho.

A partir da aproximação com os órgãos, a gestão busca garantir mais segurança para o paciente e também respaldo para que os profissionais possam atuar dentro dos limites éticos e legais. De forma conjunta, a força tarefa busca transformar as realidades encontradas na região.

Durante o deslocamento a equipe precisou passar no meio de uma travessia de bois. | Fotos: Marcos Salesse/Coren-MT

Além das unidades já citadas, também foram fiscalizadas as unidades Aldeia Belém, Posto de Saúde Aldeia Indígena Pimentel Barbosa, Posto de Saúde Aldeia Caçula, Posto de Saúde Indígena Tanguro, Posto de Saúde Indígena Tritopá, Posto de Saúde indígena Cachoeira. Também receberam a visita da fiscalização as unidades de São Marcos, Polo Base São Marcos, UBSI Namunkurá, UBSI Nossa Senhora da Guia, UBSI Nossa Senhora de Fátima e UBSI Paranoá.

Participaram ainda das ações as fiscais Cintia Ribeiro, Flávia Godoy e Carlito Sergio Augusto. Também estiveram presentes o conselheiro regional Thalisson Oliveira e o conselheiro secretário João Pedro Souza.

Fonte: Ascom/Coren-MT

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