Free cookie consent management tool by TermsFeed Generator

Enfermagem de MT: mulheres são maioria e enfrentam preconceito  

Combater o machismo é um desafio

08.03.2019

“Mas você é uma menina! Mulher e ainda menina!”. A enfermeira Júlia Salomé de Souza, de 33 anos, acostumou-se a ouvir comentários como este no ambiente de trabalho, ditos por pacientes e até por colegas.

Aparentemente ingênua, a frase camufla o preconceito de gênero: a imagem da “mulher frágil e jovem” esconde o discurso de submissão e inferioridade, deixando subentendido o questionamento à capacidade técnica da mulher.

Em Mato Grosso, as mulheres representam mais 14,6 mil do total de 16.544 técnicos de enfermagem; cerca de 7,1 mil entre os 8.316 enfermeiros e 2,2 mil dos 2.616 auxiliares.

As enfermeiras Júlia Salomé e Renata Teixeira

A profissão ainda carrega as marcas do contexto em que surgiu, em uma sociedade influenciada pelo patriarcado e pela repressão ao trabalho feminino, na Inglaterra vitoriana do século XIX.

Hoje, apesar de desfrutarem da autonomia conquistada graças à luta do movimento de mulheres, as mulheres ainda precisam lidar com a discriminação de gênero cotidiana, que afeta sua atuação, mas não seu senso crítico.

Quais os desafios para a mulher na enfermagem? Para Júlia Salomé, a desvalorização da qualificação profissional é um deles. Pós-graduada e professora universitária, ela fala da pressão social existente sobre a mulher para que constantemente prove sua competência.

Combater o machismo é um desafio, pois ele faz parte da formação cultural do país e está arraigado na profissão. “Mudar a cultura é difícil, mas já tivemos muitos avanços. Conseguimos equilibrar isso mostrando nosso conhecimento, nos posicionando como profissionais, tendo orgulho do que fazemos e nos capacitando”, disse ela, que é presidente da Associação Brasileira de Enfermagem Obstétrica em Mato Grosso (Abenfo-MT).

A presidente da Câmara Técnica de Saúde da Mulher (CTSM) do Coren-MT, enfermeira Renata Teixeira, 32 anos, identifica a área obstétrica, em que atua, como um espaço onde se manifesta com força a opressão de gênero. Ela cita como exemplo a retirada da autonomia da mulher gestante sobre o parto.

Esta opressão atinge não só a paciente, mas o coletivo de mulheres, e a profissional de enfermagem precisa ser sensibilizada. Essa luta a gente também tenta reconstruir enquanto profissional de saúde e, para isso, um aspecto importante é a formação: nunca teremos um profissional autônomo sem formar sua visão crítica”.

Incentivar o protagonismo da profissional de enfermagem investindo em sua capacitação é uma das metas da CTSM e da Abenfo-MT.

Diferentes realidades

Se para as profissionais de nível superior, como Renata e Júlia, o cenário é de desafios, mais ainda para é para as de nível médio, segundo aponta a técnica de enfermagem e assistente social Márcia Fernandes da Costa, 40 anos.

Ela enumera as diversas situações de preconceito contra mulheres que presenciou ao longo de 10 anos de atuação.   Afirma que é comum ver profissionais de enfermagem cumprindo tarefas fora de sua competência, tratadas como “faz tudo”.

A técnica de enfermagem Márcia Fernandes

Fala da importância do combate à violência contra a mulher dentro de fora do ambiente de trabalho, citando o crescimento dos casos de feminicídio no país. E lembra a situação das profissionais negras, ainda mais estigmatizadas.

“Existe assédio, discriminação por causa do nível escolar. A função do técnico é a mais desprezada. Muita gente que tem o ensino superior se acha no direito de desprezar, ainda mais se é mulher, a gente vê muitas situações assim. Mas isso não aconteceu comigo, sempre me posicionei”.

Tem aumentado a busca pela carreira de enfermagem por parte dos indígenas e, nesse contato, assim como as negras, estas profissionais também enfrentam preconceito. É o que se percebe no relato da enfermeira Vanessa Taís de Santana Barros, 27 anos, responsável técnica pelo Polo Base Pakuera, no município de Paranatinga, a 256 km da capital.

Pertencente à etnia Truká, originária do estado de Pernambuco, ela diz que ainda há o costume de se “romantizar” e estereotipar os indígenas.

Durante a graduação, enfrentou grandes dificuldades financeiras, muitas vezes foi tratada como incapaz e chegou a ouvir comentários do tipo: “Você não vai morder paciente não, não é? Já está domesticada”.

A enfermeira Vanessa Barros

Na tradição indígena a mulher não é inferiorizada, embora haja ressalvas (como em alguns povos, onde homens não falam com mulheres de fora da família). Mas elas são são respeitadas como manifestação cultural, não carregando o preconceito.

“Ser tratada com inferioridade até o momento nunca passei e pretendo não passar por tal situação. Quando nos empoderamos do ser que somos e do conhecimento que temos e adquirimos, conseguimos dar uma resposta positiva”.

Estudos

A imagem da profissão e seu processo de formação são afetados pelo contexto do surgimento da enfermagem, passando a mesma a ser associada historicamente a características morais e atitude tidas como “naturalmente” femininas, que são incorporadas aos atributos técnico-científicos da profissional.

Este tem sido tema de diversos estudos científicos a partir dos anos 1980, entre eles a dissertação “Por que só mulheres? o gênero da enfermagem e sua suas implicações”, da pesquisadora Dagmar Meyer.

Segundo ela, a divisão do trabalho na saúde reflete não somente atribuições e formações profissionais, mas uma hierarquia de gênero.

Portanto, é preciso compreender a dinâmica entre a realidade histórica mais ampla e a profissão para “se quisermos entender porque tantas tentativas de transformação do ensino até hoje propostas não têm saído do papel”, diz o texto.

 

Compartilhe

Outros Artigos

Receba nossas novidades! Cadastre-se.


Fale Conosco

 

Conselho Regional de Enfermagem do Mato Grosso

Rua dos Lírios, número 363, bairro Jardim Cuiabá, Cuiabá-MT | CEP: 78043-122

(65) 9 9623-2323 (Atendimento Ouvidoria via WhatsApp)

www.coren-mt.gov.br


Horário de atendimento ao público

08:00–17:00